Não sei você, mas eu me assusto ao riscar do calendário o primeiro mês do ano.
O que aconteceu com o meu Janeiro?
O que aconteceu com a minha vida?
Fico com a sensação de que não vivi o suficiente. Preciso segurar a ansiedade para recordar o que foram esses 31 dias, 744 horas, 44.640 minutos.
Lembra-se de Rent? Como medir a vida de alguém?
Inspirada por essa música, eu até poderia falar das verdades que aprendi, das lágrimas que chorei, das pontes que queimei neste primeiro mês do ano... mas prefiro falar de livros.
De alguma forma, que nem eu mesma sei explicar, finalizei quatro livros em janeiro, boa parte deles durante as madrugadas de vigília ao meu pai. Obras distintas que revelam, de certa forma, um pouco de quem eu sou:
“O Místico”, de Ian Mecler;
‘Antologia Poética”, de Anna Akhamatova;
“As Sete Irmãs”, de Lucinda Riley;
“Tudo sobre o Amor”, de bell hooks.
Quero falar hoje do terceiro livro. Lucinda Riley entrou na minha vida por acaso – em uma dessas promoções de livros gratuitos do Kindle. Baixei sem expectativas, curiosa para conhecer uma autora popular no mundo todo. Não me recordo nem de ter lido a sinopse. Sabe aquele “uhmmm... por que não?”.
Meses depois, não li; devorei. E, de certa forma, me dei mal, pois “As Sete Irmãs” é a porta de entrada para uma saga.
Você já leu Lucinda Riley?
O que me conquistou não foi só a história, mas também a criatividade da autora, fundamentada na sua curiosidade e em um processo de pesquisa primoroso.
Fã de Astronomia, ela disse em entrevistas que sempre gostou de observar as Plêiades, um conjunto de sete estrelas, que receberam o nome das sete filhas de Atlas e Pleione, segundo a mitologia grega. Ao longo dos livros, aprendemos mais como essa constelação é tratada de diferentes formas, por diversas culturas.
As sete irmãs de Lucinda foram adotadas por um milionário, que deixa como herança para cada uma um enigma a ser desvendado por meio de uma carta, uma frase em uma escultura e as coordenadas da sua origem.
O primeiro livro da saga foi lançado em 2014 no Brasil. Traz a história de Maia, cujas pistas a trazem justamente para esse canto do mundo. Ao juntar as peças do seu passado, a protagonista resgata nuances e acontecimentos que marcaram a sociedade carioca da década de 1920. A obra de ficção se apoia em fatos verídicos, descobertos pela autora durante um tour histórico pelo Rio. Segundo Lucinda, o Cristo Redentor e os efeitos do crack da Bolsa de NY plantaram nela as sementes de uma boa história.
Preciso, aqui, fazer um parêntese sobre a nossa falta de cultura ou sobre como desconhecemos fatos históricos, figuras que transformaram nossa realidade, artistas que escreveram seus nomes na História, como Heitor da Silva Costa, engenheiro responsável pela construção do Cristo Redentor. É dele o projeto da obra, a coordenação de todas as fases do projeto e a escolha do material – a famosa pedra sabão, a mesma usada por Aleijadinho no século XVIII. Riley inseriu na sua teia não só a família Silva Costa, mas também os triângulos de pedra sabão que compõem o monumento de 38 metros, localizado a 710 metros de altitude, e onde estão escondidas mensagens de paz e amor escritas por moradores do Rio.
Tudo isso eu descobri como?
Com o livro de uma irlandesa.
Oh my! Shame on me!
O Processo
Em entrevista ao blog Book Literati e ao canal do YouTube da Saraiva (lembra dela?), Lucinda falou sobre o seu processo criativo.
Para começar, nada de mind maps ou qualquer tipo de estrutura que a ajude a organizar pensamento e enredo. A escritora afirmou guardar tudo na cabeça, o que gerou uma preocupação nos editores da saga das Sete Irmãs.
Ora, e se algo acontecesse a ela?
O que aconteceria com a saga?
A autora, então, contou o destino de cada uma das irmãs para o marido, cuja memória, disse ela, não é lá essas coisas.
O processo criativo dela seguia a seguinte ordem:
1. Pesquisa
Sabe aquelas sementinhas plantadas pela curiosidade? Pois elas começavam a germinar quando a autora irlandesa se debruçava sobre os objetos de interesse. É assim que a história começava a ganhar corpo e hipóteses eram traçadas.
Essa é uma etapa fundamental para vários escritores de ficção e não-ficção. Daniel H. Pink já comentou, em sua newsletter, como se tranca em seu escritório para levantar e estudar tudo sobre determinado assunto. Enquanto escrevia “Cidade das Garotas”, Elizabeth Gilbert compartilhou nas suas redes a ajuda que teve para ambientar seus personagens na NY da década de 1940. Fernando Moraes, na já comentada biografia de Paulo Coelho, contou com um time grande de colaboradores, assim como Pedro Bial, ao escrever a história de Luíza Helena Trajano.
Lucinda contou que, após aquele city tour no Rio, ela levantou livros, reportagens e blogs que ajudassem a compor a história. Voltou à Cidade Maravilhosa e se instalou durante um mês em um apartamento em Ipanema, já que não encontrava documentação ou informações de fontes confiáveis, principalmente em Inglês.
Exagero?
Nem tanto.
Muitas pessoas acreditam, por exemplo, que o Cristo foi presente da França ao país.
Atenção: não é fato, é fake.
Compartilhe nossa história!
Aparentemente, ela não contou com ajuda de uma equipe nesta etapa. Teve, somente, um empurrãozinho do Universo: uma de suas vizinhas era justamente a neta de Heitor da Silva Costa. A coincidência ajudou, não só na composição da história, a partir de um ponto de vista único, mas também em ter autorização de uma parente direta para usar seus ancestrais na ficção.
Não há um prazo definido para esse processo – depende de cada autor, da história que se quer contar. Lembro-me do dia em que folheei na livraria um lançamento de Augusto Cury para tentar descobrir o segredo de tantos best-sellers. O objetivo inicial se desfez logo nas primeiras páginas ao ler que, para escrever “O Homem Mais Inteligente da História”, ele havia pesquisado a personalidade de Jesus durante cerca de 15 anos. Oh-la-la.
Em tempos de ChatGPT, é sempre bom ressaltar o que a mente humana é capaz de fazer.
2. Escrita ou...
Finalizada a pesquisa, chegou a hora de tecer a história. No caso de Lucinda, o primeiro draft era ditado e, depois, transcrito por uma assistente.
Oi?
Isso mesmo!
Em vez de se sentar em frente ao computador, ela narrava a história.
Estranho?
Há diversas formas de fazer um mesmo trabalho. Jorge Amado escrevia todas as suas histórias à mão e quem datilografava, veja só, era a sua esposa Zélia Gattai.
No caso de Lucinda, ela jurava que a história só se revelava enquanto caminhava – dentro ou fora de casa, de lá para cá. A neurociência, veja só, explica. Há estudos que mostram como o movimento pode impulsionar a criatividade. Um deles, publicado no jornal da Associação Psicológica Americana, registrou um aumento de 60% em média no pensamento criativo durante caminhadas. A inércia, segundo eles, não estimula o pensamento divergente e a geração de ideias.
3. Edição
Finalizada a pesquisa e a escrita, ou o ditado e a datilografia, a irlandesa lançava-se em mais uma etapa: com o draft em mãos, ela começava a editar o texto - pelo menos, 20 rodadas. Este processo é tão rigoroso quanto a pesquisa, porque é nele que qualquer escritor elimina os excessos e inconsistências. Mais do que isso: ela garantia, nessa fase, a consistência e coerência das personagens.
Você imaginaria tanto trabalho por trás de um livro?
Você percebeu que tenho me referido ao processo criativo de Lucinda no passado?
É que a irlandesa faleceu em 2021, aos 55 anos, de câncer. E, novamente, a determinação e criatividade dessa mulher surpreende: em quatro anos de tratamento, ela escreveu cinco livros.
À época do seu falecimento, foi lançado no Brasil o último volume da saga, que se tornou best-seller em vários países, do Reino Unido à Austrália, passando pela África do Sul.
Aliás, último, não!
Penúltimo!
Pois um oitavo livro, póstumo, deve ser lançado em 2023, em uma aparente colaboração da autora com o filho. Dessa vez, o foco não estará nas filhas, mas no misterioso Pa Salt, o pai das meninas.
Lucinda teria deixado instruções e até trechos inteiros prontos para Harry, o filho mais velho. Que responsabilidade, hein?!
Por ora, eu continuo a avançar na saga. Mergulho no quarto livro da série, na história de Ceci, a irmã por quem eu menos nutria simpatia.
Posso afirmar: Lucinda não me decepcionou até agora – pelo contrário, os enredos me surpreendem e me levam a um tour por diferentes países, já que cada irmã D’Apliesé foi adotada em um local diferente e só conhecemos suas origens quando a protagonista aceita o chamado para a aventura.
Embora seja interessante seguir na sequência, nada impede uma leitura independente dos livros.
Já aviso: das quatro, eu não consigo, até o momento, escolher uma favorita. Lucinda criou uma composição única de mulheres, com diferentes personalidades e identidades.
Talvez, a fonte de tanta determinação, curiosidade e criatividade de Lucinda possa ser explicada por um diálogo do quarto livro, em que um artista plástico diz à Ceci:
“A verdadeira alegria está no próprio processo criativo. Você sempre será um escravo dele e, sim, isso dominará sua vida, controlará você como um amante. Mas, ao contrário de um amante, nunca irá deixá-lo.”