E se eu te disser que ultimamente... sinto saudade do tédio?
Parece meio louco?
Eu sei, eu também acho que sim.
Vamos cutucar mais um pouco?
Pois, o dicionário, a quem ainda recorro em tempos incertos, define esta palavra como:
tédio
substantivo masculino
1. sensação de enfado produzida por algo lento, prolixo ou temporalmente prolongado demais.
2. sensação de aborrecimento ou cansaço, causada por algo árido, obtuso ou estúpido.
Eu seria um pouco mais lúdica e diria que sentir tédio é padecer de uma “dominguite” aguda. Sabe aqueles momentos ou dias em que parece impossível flanar?
As horas não correm;
a Netflix não tem opções suficientes;
o livro se arrasta;
as pessoas se tornam chatas;
e o mundo sem cor, brilho ou graça.
Já conhecia essa música?
O tédio que eu sinto saudade, porém, tem outros componentes: queria um dia em que o vazio se fizesse presente.
Não há dor, nem euforia;
não há problemas, nem maravilhas;
não há planos; nem tarefas.
O dia, ou a vida, simplesmente... é!
Muito budista isso?
(Uma dica: clique na imagem)
Em princípio, pensei que sim.
Claro que, em poucos minutos, descobri que não.
Para o Budismo, o tédio é a aflição daqueles que se perdem em ilusões, dos que não sabem experimentar o vazio ou, ainda, dos que não conseguem viver o tempo presente, tema que, aliás, abordei na peregrinação passada.
A ilusão, como se sabe, gera sofrimento. É difícil admitir, mas é verdade, minha saudade do tédio é reflexo de sofrimento.
Os budistas não negam a existência do sofrimento (primeira nobre verdade), que só existe por um desejo ou ilusão não atendida (segunda nobre verdade). Assim como o criamos, podemos dissolvê-lo (terceira nobre verdade) e superá-lo através dos oito passos (quarta nobre verdade) do Nobre Caminho Óctuplo:
1. Compreensão Correta;
2. Pensamento Correto;
3. Fala Correta;
4. Ação Correta;
5. Meio de Vida Correto;
6. Esforço Correto;
7. Atenção Correta;
8. Concentração Correta.
(Fonte: rahareiki.tumblr)
Dá para resistir? ;)
E tem mais!
A Superinteressante explicou, certa vez, como o tédio age na nossa mente:
“Uma pesquisa da Universidade de Michigan resolveu investigar o que acontecia na cabeça de voluntários entediados. A tarefa era identificar letras numa tela durante uma hora inteira, enquanto eram examinados numa máquina de ressonância magnética. A conclusão: quando ficavam entediados, as áreas do cérebro ligadas à visão, linguagem e autocontrole se desconectavam umas das outras. Por isso o tédio tira nossa atenção de qualquer atividade, ou faz com que a gente coma mais sem pensar. É aquele hábito de abrir a geladeira só para ver o que tem lá dentro – afinal, quem está entediado não se controla e ataca a pizza de anteontem.”
A mesma matéria diz que o tédio pode levar à criatividade, mas boa parte do tempo leva à desconexão com tudo e com todos - e isso, convenhamos, não é um desejo sadio.
Acontece que, no meu caso, estar presente e vivenciar os desafios do envelhecimento e, em maior intensidade, o adoecimento de um ente amado é um privilégio, mas também um desafio.
Não tenho dúvidas de que cuidar é um dos verbos mais lindos. É servir, é retribuir, é AMAR - assim, em caixa alta. É um amor tecido e demonstrado com pequenos gestos, com compaixão e empatia desmedidos.
Conhece a Margaret Mead?
(Fonte: Barnard College/ Mariana Miranda - Medium)
Eu sempre me emocionei com a história de que, durante uma palestra ou aula, alguém perguntou à antropóloga sobre o primeiro sinal de civilização.
“Um fêmur quebrado”, disse ela, surpreendendo a todos.
Margaret se explicou: um fêmur foi encontrado em um sítio arqueológico com mais de 15 mil anos. O que ele tinha de tão interessante?
O maior osso do corpo humano tinha claros sinais de uma fratura anterior. Isso quer dizer que, até cicatrizar, esse ancestral recebeu cuidados. Ele não tinha como correr e se esconder para se proteger. Ele não tinha como caçar para se alimentar. Sua cura, em uma sociedade sem os nossos recursos, demorou meses, tempo em que foi assistido por uma ou mais pessoas. Só assim ele sobreviveu e viveu mais anos.
Não é lindo?
Conta para mim!
Nos últimos tempos, eu acordo em modo prático. Coloco as emoções de lado e faço o que tenho que fazer – honrando o meu perfeccionismo, da melhor forma que posso e sei fazer naquele momento.
Essa praticidade amorosa é acompanhada de momentos de criatividade, para superar os inúmeros imprevistos, e de perserverança, aquela fé de que tudo passa, “isso também”, como diria o filósofo George Harrison. É uma vitória perceber um suspiro de alívio, é um presente ganhar um sorriso de contentamento.
O desafio reside nos dias em que, como todo ser humano, fico mais vulnerável às emoções. É quando me alterno entre virar uma Panda vermelho nada fofa (é a realidade, né, gente?!) ...
... e rezar por um dia de tédio, traduzido com perfeição perfeita nessa tirinha.
Já se sentiu assim? Conta para mim.
Escrever esse post e refletir sobre o que carrego na mente e no coração me fez vivenciar a magia da espiritualidade. Sabe o que isso quer dizer?
Colocar o holofote sobre o que não queremos ou não conseguir ver para reconhecer o sofrimento em mim. Assim, entendo que a minha saudade não é do tédio, mas de abrir as janelas internas que me fazem encontrar paz, que me permitem me perder na escrita, que me permitem desabafar, que me permitem criar, apesar de tudo.
É, enfim, acessar esse lugar sagrado que habita em nós mesmo em meio a terremotos e maremotos emocionais.
E você?
Do que tem saudade? E o que essa saudade revela sobre o que você vive?
E se ainda não assina a newsletter, fica meu convite para peregrinar comigo. Será um prazer!