Como se não bastasse as pilhas de livros não lidos espalhadas pela casa e a outra lista à espera no Kindle, eu me rendi ao Skeelo após ganhar acesso ao “Não fossem as sílabas de sábado”, da Mariana Salomão Carrara.
A incursão literária em mais uma plataforma digital, por mais que não se compare ao livro físico, valeu a pena, tanto pelo livro desconcertante da Mariana (recomendo a resenha fina e elegante da Lícia, bem como o seu invejável projeto de leitura – ou seria de vida? – para 2024), quanto por mais um livro gratuito, bem diferente. A ordem da vez era uma chick lit deliciosa, em que uma das personagens tem que aprender a se divertir entre tantas tarefas e desafios. O perfeccionismo dela roubava, não só a beleza do momento, mas qualquer possibilidade de “sentir”.
Sabe quando a vida vira uma lista de tarefas sem fim e sem sabor?
Pois é, qualquer afinidade talvez não seja mera coincidência por aí também.
A leitura me fez lembrar que, entre tantas demandas após uma viagem à China, o então presidente dos Estados Unidos Ronaldo Regan arrumou tempo para responder um adolescente, que teve a petulância de escrever ao chefe da nação para pedir fundos para limpar o próprio quarto, definido pela mãe como um “desastre”.
Traduzo o conteúdo publicado em inglês por um dos meus Substacks favoritos, o Letter of Note:
11 de maio de 1984
Querido Andy:
Lamento demorar tanto para responder à sua carta, mas, como você sabe, estive na China e encontrei sua carta aqui quando voltei.
O seu pedido de ajuda humanitária foi devidamente registado, mas devo salientar um problema técnico: a autoridade que declara a catástrofe deve fazer o pedido. Neste caso, sua mãe.
No entanto, deixando isso de lado, terei de apontar o problema maior dos fundos disponíveis. Este foi um ano de catástrofes: 539 furacões até 4 de Maio e vários mais desde então, numerosas inundações, incêndios florestais, secas no Texas e vários terramotos. O que quero dizer é que os fundos estão perigosamente baixos.
Posso fazer uma sugestão? Esta Administração, acreditando que o governo fez muitas coisas que poderiam ser melhor feitas por voluntários a nível local, patrocinou um Programa de Iniciativa do Sector Privado, apelando às pessoas para praticarem o voluntariado na resolução de uma série de problemas locais.
Sua situação parece ser natural. Tenho certeza de que sua mãe tinha toda razão em declarar que seu quarto era um desastre. Portanto, você está em uma excelente posição para lançar outro programa de voluntariado que acompanhe os mais de 3.000 já em andamento em nosso país. Parabéns.
Dê os meus melhores cumprimentos à sua mãe.
Atenciosamente,
Ronald Reagan
O que eu quero dizer é que, apesar de tudo e de todos, há sempre tempo para se divertir e para se sentir vivo. Para isso, porém, é preciso aprender o que o Rei Roberto canta há anos:
“É pre-ci-so saber viver”
Ainda há tempo.
Espero. ;)
PS 1: Eu adoro descobrir hábitos e ações mundanas em pessoas “poderosas” ou em posições de privilégio. Em “Cartas Extraordinárias”, Shaun Usher, tão obcecado por correspondências quanto eu, compartilhou a carta que a Rainha Elizabeth II enviou, em 1960, ao então presidente dos Estados Unidos Dwight D. Eisenhower. O ponto central é... uma receita de scones.
Eisenhower, ou “Sr. Presidente”, como ela o chama na carta, teria provado esse pão ou panqueca inglês durante uma visita ao Castelo de Balmoral, na Escócia. Pelo jeito, não foi nada comedido, pois a rainha não se esqueceu do seu apetite ou preferências e, dois anos depois, enviou-lhe, em papel timbrado, a prometida receita. Fez lá um breve elogio à bem-sucedida visita dele a alguns países e focou em observações sobre rendimento e possíveis substituições de itens.
PS2: Tudo isso é para dizer que, embora nunca tenha deixado de escrever, pretendo ser mais presente neste espaço.