Por pura coincidência (ou destino!), fiz três leituras simultâneas com um tema em comum: a escuta. Só me dei conta desse detalhe ao terminar um dos livros e perceber, não só os pontos de afinidade, mas a reverberação em mim.
A gente sempre se acha um bom ouvinte, mas a velocidade do mundo e o excesso de informações prejudicaram a nossa escuta. Vivemos no piloto automático, fazendo mil coisas ao mesmo. Enquanto o outro fala, nós...
... buscamos concordância com o que pensamos ou com o que achamos justo ou certo;
... formamos argumentos para responder e convencer;
... enumeramos julgamentos e rótulos;
... pensamos na lista de pendências do trabalho, do supermercado e da drogaria;
... vivemos um choque com a expectativa rompida em relação à imagem formada ou esperada sobre o interlocutor;
... formamos novas histórias em nossas cabeças.
Segundo a jornalista Kate Murphy, autora do livro You’re not listening (Você não está escutando, em tradução literal), após conduzir um estudo com estudantes e empresários, um pesquisador descobriu que, após uma breve conversa, a maioria das pessoas perdeu, pelo menos, metade do que foi dito. Nem os mais atentos escapam. A situação é ainda mais “tensa” com aqueles que amamos, pois presumimos que já os conhecemos tão bem que não precisamos mais nos esforçar. Não percebemos que a escuta é prima-irmã da curiosidade, motor do conhecimento não só sobre nós mesmos, mas também sobre tudo o que nos cerca.
Na minha opinião, mesmo entre amigos, a escuta está cada vez mais rara e urgente, seja porque as redes sociais criam uma falsa sensação de conexão, seja porque queremos sempre ter razão. Temos apego às nossas ideias, planos, crenças, desejos. E é aí que mora o perigo...
O trabalho me fez cair, recentemente, no Barômetro de Confiança da Edelman, um estudo mundial realizado há duas décadas em quase 30 países. Ele alerta sobre o “risco de polarização severa” do Brasil, provocado pela “falta de confiança no governo, falta de identificação mútua e injustiça sistêmica”. Mostrou, ainda, que a maior parte das pessoas não ajudaria (71%), moraria na mesma vizinhança (79%), ou trabalharia com alguém (78%) que discordasse fortemente do seu ponto de vista.
Atenção!
Não é só a comunicação e o bom senso que estão em queda: a nossa afinidade, o que nos une, também. “Para 63% dos brasileiros, o tecido social que antes mantinha este país unido tornou-se fraco demais para ser uma base de união e propósito comum”, informa o estudo.
Socorro!
Recordei-me da sabedoria de Pema Chödrön, compartilhada no Puxadinho do Luri:
“Se nos fecharmos aos nossos sentimentos desagradáveis sem consciência ou curiosidade, se sempre os mascararmos ou tentarmos afugentar nossa vulnerabilidade, o resultado serão vícios variados. Dali sairá agressividade e violência contra os outros – todas as coisas feias. Por outro lado, se conseguirmos ir além da culpabilidade e outros escapes, e simplesmente sentirmos a qualidade nua e crua da nossa vulnerabilidade, entraremos num espaço onde o melhor de nós irá se revelar.
Todos nós temos um imenso potencial e contudo nos fechamos num mundo muito pequeno, amedrontado, baseado no desejo de evitar o desagradável, o doloroso, o inseguro, o imprevisível. Existem vastas e ilimitadas riquezas e maravilhas a serem vividas, se acostumarmos nosso sistema nervoso à realidade incerta, de final aberto, das coisas como elas são.”
Pema Chödrön, “Acolher o indesejável”.
Tudo a ver, né?
A conversa aqui é sobre de Marshall Rosenberg, Julia Cameron e Jane Goodall. Conhecer o trabalho e a prática dessas três pessoas, com diferentes formações e experiências, me fez reconhecer o tanto de oportunidades perdidas dentro do meu microcosmo – tanto no que diz respeito a conhecer o outro e contribuir para a harmonia dos núcleos e comunidades dos quais faço parte, quanto descobrir outras visões e mundos, ampliando o meu repertório e enriquecendo a minha vida.
Não consegui comprimir as histórias e ideias dos três em uma única newsletter – na verdade, nem tentei. São preciosas demais. Não tenho como prometer um voo profundo neste espaço. Minha ambição é plantar uma sementinha de curiosidade – seja para partir em uma investigação própria ou para mergulhar na leitura.
Amo você sendo quem eu sou, lançado pela Palas Athena, não é o livro mais famoso do pai da Comunicação Não Violenta (CNV). É uma edição bem mais curta, composta por trechos de entrevistas e de oficinas conduzidas por ele. Os quatro componentes da CNV (observação, sentimentos, necessidades e pedidos) continuam lá, assim como a lista de sentimentos e necessidades universais. O foco, porém, não é apresentar os pilares, mas mostrar a sua aplicação e, claro, os desafios na rotina de qualquer relacionamento.
Para Rosenberg, a prática da CNV nos permite escutar além do que é dito e expressar de forma mais clara nossas necessidades e pedidos. É como se entrássemos em uma dança na qual não existe uma pessoa liderando. A beleza dessa coreografia reside na confiança que se estabelece entre ambos. Os passos fluem, mesmo quando os ritmos são diferentes. A sintonia nasce de uma escuta própria, que torna mais fácil perceber o outro e criar, juntos, um movimento. Entendeu agora a foto da abertura?
10 trechos sobre escuta e CNV que são um Big Bang
O que é bom saber para entrar nesta dança:
“As únicas coisas que as pessoas dizem, não importa a forma dessa expressão, é como elas estão e do que precisam para tornar a vida melhor. Quando uma pessoa diz ‘não’, isso é apenas um jeito muito rasteiro de nos informar o que ela realmente quer. E não precisamos piorar as coisas escutando uma manifestação de rejeição: é hora de escutar o que ela de fato quer.”
“Elas [as pessoas que não conhecem a CNV] cresceram em um mundo de coação. Seus pais certamente pensavam que a única forma de conseguir que elas fizessem alguma coisa seria através da punição, ou fazendo com que se sentissem culpadas. Talvez não conhecessem nenhuma alternativa. Elas não sabem qual é a diferença entre um pedido e uma exigência. Realmente acreditam que, se não fizerem o que o outro quer, as ameaças ou os sentimentos de culpa virão à tona.”
“É por isso que os praticantes de CNV se empenham em somente ouvir a dor e as necessidades que se escondem atrás de qualquer ofensa para, assim, não a levarem para o lado pessoal e nem responderem na mesma moeda.”
“O conceito da CNV é o seguinte: Não, nós não somos responsáveis pelos sentimentos das outras, mas temos consciência de que não devemos ficar nos rebelando contra elas, dizendo coisas como ‘eu não sou responsável por seus sentimentos.’ Podemos simplesmente escutar o que a outra pessoa está sentindo sem perder o nosso próprio centro. Podemos escutar o que ela quer e demonstrar empatia, mas não temos que fazer o que elas querem.”
“Amor não é negar a si mesmo para fazer tudo pelo outro, mas, sim, expressar honestamente os seus sentimentos ou necessidades, sejam eles quais forem, e receber com empatia a expressão dos sentimentos e necessidades do outro. Receber com empatia não significa que você tem que fazer alguma coisa. É apenas receber da forma mais precisa possível o que está sendo manifestado pela outra pessoa e receber aquilo como um presente de vida.”
“É um presente quando tentamos ouvir o que está vivo na outra pessoa e o que ela gostaria. Portanto, a CNV é apenas uma manifestação daquilo que eu entendo por amor. Nesse sentido, é bastante similar ao conceito judaico-cristão de ‘ame o seu próximo como a si mesmo’ e ‘não julgueis para não serdes julgados.’”
“Sem a CNV nós dizemos: ‘será que eu posso?’, ‘isso está ok?’. Praticantes de CNV nunca querem a aprovação da outra pessoa. Praticantes de CNV nunca esperam a aprovação alheia, nunca delegam tal poder e nunca permitem que a outra pessoa lhes diga o que fazer.”
“Um praticante de CNV não gasta tempo pensando sobre que tipo de pessoa é; ele pensa somente a momento. Não ‘o que sou eu?’ mas ‘como a vida pulsa em mim neste momento?’”
“Isso [a dificuldade de algumas pessoas de receber] provavelmente acontece porque, ao longo de toda a vida, os outros fizeram coisas para elas, mas mandaram a conta depois. Elas não percebem que existe um outro jeito de dar, que existem pessoas que dão de si – não com o objetivo de tomar dos outros, mas a partir do coração.”
“Cheguei à conclusão de que amor não é alguma coisa que sentimos, mas algo que manifestamos, que fazemos, que temos. E amor é algo que damos de presente. Nós nos damos de maneiras individuais. É um verdadeiro presente quando você se revela de maneira honesta, despida, a qualquer momento, por nenhum outro motivo a não ser o propósito de revelar o que está vivo em você. Não para culpar, criticar ou punir. Apenas assim: ‘Aqui estou e é disso que eu gostaria. Essa é a minha vulnerabilidade neste momento.’ Para mim, esse tipo de oferenda é uma manifestação de amor.”
Para praticar a CNV, segundo Rosenberg, mais do que aplicar os 4 passos, é preciso:
· ter mais consciência sobre como desejamos nos conectar com os outros - e isso a gente só faz se escutando (olha ela aí de novo!);
· praticar e avaliar, diariamente, com compaixão e empatia, o próprio desempenho, não buscando a perfeição, mas para se tornar “progressivamente menos estúpido”.
· integrar uma comunidade de apoio à CNV, para fomentar um mundo mais harmônico.
E, então, como isso reverbera em você?