Por que iniciar esta conversa?
Eu me fiz essa pergunta um milhão de vezes. Afinal, sinto-me já exaurida com tantas redes, tantos apps, tantos canais de contato, nos quais o diálogo me parece escasso e a felicidade, fabricada para eternizar um post e ganhar aplausos.
Eu sei, eu sei, estou cri-cri demais, meio amarga talvez. Acontece que sinto falta de mais verdade, de menos atuação, de mais interação, de menos individualismo. Parece que a vida nas redes virou, na maior parte do tempo, um entretenimento de gosto duvidoso – um espetáculo de violência ou superficialidade, que cria mais distância do que proximidade. O conto fantástico, exótico ou absurdo do outro pode até ser baseado em “fatos reais”, mas desmerece nossa qualidade humana e gera uma confusão de sentimentos desnecessários.
Como me recordou Luri, em um lindo texto sobre Miyazaki, o pai da Chihiro, estamos “soterrados por informação do pior tipo”, destacando mais a sombra do que a luz, colaborando para uma realidade “na qual a guerra, a fome, o crime e a maldade pura são a regra.” Levantam-se bandeiras contra o ódio com ódio, fala-se de inserção sem inserir, a empatia é reservada a quem faz parte do clube ou tem crédito suficiente para tal.
Concordo que, dentro deste contexto, não é de se estranhar que estejamos mais ansiosos. O piloto automático nos faz buscar a felicidade a qualquer custo, sem saber direito o quê, como e onde encontrá-la. Damos importância ao efêmero sem perceber que a nossa alma adoece gradualmente.
Com o passar dos anos, ao notar os efeitos disso tudo em mim, parei para refletir sobre como estou alimentando a minha alma e como ela reage aos diversos tipos de “comida”. Passei a aplicar aquele velho lema do design, “menos é mais”, a muitas dimensões da vida.
Assim, distinguir o essencial virou praticamente um propósito de vida; privilegiar a qualidade, não mais a quantidade, uma meta diária; evitar a tiktorização da minha existência, um objetivo.
E foi justamente isso que me fez bater o martelo neste Substack.
Tenho gostado muito de descobrir tantos planetas diferentes nesse universo paralelo, mais compassivo, mais reflexivo, mais gentil. São pessoas “de verdade, revelando quem são e o que mobiliza verdadeiramente sua atenção. Lançam nesse mar de algoritmos ondas que se conectam sabe-se lá com quem. o/
Luri e tantos outros, que ainda hei de celebrar em outras conversas, atingiram diretamente o meu coração e mente, provocando ideias de arrancar o fôlego e de me fazer refletir sobre a existência nesse planeta azul.
Eu sei, eu sei. Seria eu capaz do mesmo?
Sinceramente?
Não sei.
Só sei que gosto do desafio de escrever cartas para destinatários, em um primeiro momento talvez, anônimos. Prometo me comprometer com o desafio de ingressar nesse caminho com foco no passeio, não do destino. Lanço-me, assim, em uma empreitada inusitada, já que sempre vivi nos bastidores, sem qualquer tipo de complexo ou problema de autoestima em relação a isso. Aprendi que esse lugar é ocupado por mentes tão pensantes e criativas quanto aquelas que habitam os palcos. Gosto de pensar que são até mais outsiders, mais transgressores, subvertendo convenções, em nome da sua liberdade de ser, criar e viver. Até acompanham as tendências, mas sem aquela obsessão louca de achar que ler ou não um livro, ver ou não um filme, saber ou não de um meme, conhecer ou não uma celebridade, fazer ou não “aquela” viagem, define quem são.
Não é, porém, um caminho fácil. Em uma conversa recente, uma dessas outsiders se mostrou chateada por não encontrar mais portas abertas e braços estendidos. Em trilhas diversas, as rotas mais selvagens são solitárias, quase cruéis.
Quem nunca se sentiu assim?
Eu já.
Várias vezes.
Como seres sociais, queremos ter nossa rede de apoio, sermos reconhecidos e amados, só que expressar quem somos, nossas vontades e desejos torna-se, muitas vezes, um problema. A determinação? Pura teimosia - ou, como ouvi certa vez, intransigência.
Perguntei à outsider: você prefere se curvar à vontade dos outros, para ter esse senso de pertencimento, ou seguir o seu coração e pertencer a você, ao seu sonho?
Silêncio.
Tentei de novo.
Perguntei o que lhe realizava mais: fazer como os outros ou submeter-se àquela potência criativa que ela e todo ser carrega dentro de si?
Não há certo ou errado. Há, talvez, o mais fácil e o mais difícil. Há, certamente, escolhas para cada momento ou minuto da vida.
Ser original significa, às vezes, seguir por essas trilhas desconhecidas, sem ajuda até do Google Maps. É claro que perder o fôlego ao lado de outra pessoa nas ladeiras da vida é bem mais confortável do que o fazer completamente sozinho.
No vazio e na solidão, os pensamentos gritam alto. É nessa hora que questionamos nossos atos, duvidamos do nosso propósito, esquecemo-nos do nosso potencial. Enquanto as panturrilhas queimam, o peito parece que vai explodir – e não é de felicidade.
Aliás, onde ela mora mesmo?
Doce Caminho, Doce Viagem
O nome dessa newsletter é uma brincadeira com o meu blog Doce Viagem, onde coleciono histórias de pessoas que me inspiram, além de pequenos contos, crônicas e poesias. A ideia, aqui, é expor mais reflexões e compartilhar o que me inspira.
Admito: o caminho nem sempre é doce. Também sou povoada de dores e frustrações, plantados, quiçá, há gerações. Tenho enfrentado esses fantasmas, tenho encarado medos e problemas, justamente por essas trilhas inóspitas, justamente por entender que, se a vida é minha, ninguém mais pode assumir esse papel por mim.
Você já sentiu um chamado?
Qualquer que ele seja?
Sabe aquela voz interna que te seduz a fazer algo, a acreditar em algo, a seguir um caminho sem garantias, sem paraquedas, totalmente fora da sua zona de conforto?
Eu já – e ouso dizer, algumas vezes. Apesar de toda dificuldade, e de não ter realizado tudo que sonhava, sei que não mudaria nada, pois essas escolhas inusitadas e impopulares me fizeram quem sou hoje. Às vezes, penso que se não conquistei algo é porque ainda não me tornei a pessoa digna deste sonho.
Um dos últimos chamados foi para o Caminho de Santiago de Compostela. O escritor e peregrino português Agostinho Leal já percorreu aquelas trilhas algumas vezes e diz que ingressamos no Caminho antes mesmo de dar o primeiro passo – ou melhor, quando sentimos o chamado e começamos a planejar essa aventura.
Se assim for, estou há mais de uma década peregrinando por esse mundo. Não foi Paulo Coelho quem me iniciou, mas uma prima. Não me pergunte o que ela viveu até Santiago. Não percorri aquelas trilhas com ela; estacionei no relato do seu treinamento. Ao lado de uma amiga, ela saía para caminhar carregando nas costas uma mochila de 10 quilos. Esqueci-me de todo o resto, menos disso.
Que mochila é essa que carregamos todo-santo-dia?
Depois disso, assisti O Caminho (My Way); escutei outros relatos (inclusive, de bicigrinos); encontrei a seta amarela em uma praia de Santa Catarina (!) e li o tal livro do Paulo. Cheguei, recentemente, bem perto de Santiago de Compostela - cruzei, sem saber, mais de uma vez, o Caminho de Torres e o Caminho Português. Não ousei pisar naquele solo sagrado, mas senti sua força. Esbarrei em lendas, conheci peregrinos e encontrei em pedras o marco da fé.
Senti muita vontade de me perder em seus caminhos, mas sei que ainda não chegou o momento. A intolerância à soja, glúten e lactose (chega, né?) tornaria essa experiência dolorida demais, quase uma punição ou penitência.
Imersa nas reflexões de Agostinho Leal, cuja obra chegou em minhas mãos porque somos escolhidos pelos livros e não o contrário, eu me questionei: será que a gente precisa ir tão longe para encontrar algo, algum sentido, qualquer que ele seja, para essa aventura do viver?
“O que me interessa no caminho é se ele tem significado, se tem utilidade. Isso depende de mim e não do caminho, porque quando o caminho fica difícil, perde encanto ou não corresponde às minhas expectativas, de nada vale procurar outro caminho. A solução é mesmo mudar a minha forma de caminhar.”
Agostinho Leal
Eu aposto que sim, mas também sei que não existe uma resposta única. Lá e aqui, há diferentes caminhos, pelos quais decidimos todo dia percorrer, recusando ou aceitando atalhos, seguindo ou desviando das manadas, descobrindo a marca de nossas pegadas na terra, aprendendo com a solidão e a multidão, provando do doce gosto de uma coragem (in)consciente, mas extremamente potente. Ou, como diria uma bruxinha tão “estranha” quanto única, desafiando a gravidade.
Logo, inicio essa conversa para conhecer outros peregrinos, que sem GPS algum, ousam desbravar trilhas aparentemente inabitáveis, sem outro objetivo a não ser fazer valer a pena, com verdade e sinceridade, cada dia desta existência.
Sonho em trocar com gente que, apesar das cicatrizes, distensões e bolhas no pé, ainda choram lágrimas doces, por um motivo inexplicável, impossível de se colocar em palavras. Só sentindo mesmo.
Será você um deles?
Se me der a chance, vou adorar caminhar ao seu lado.
Te espero a cada 15 dias, tempo suficiente para digerirmos ideias e compartilharmos experiências e impressões.
E, então, bora que eu boro? 😉
Doce Caminho para você!
Que demais te ler por aqui, Tati! Migrei para cá porque o Instagram estava me adoecendo. Entendo demais sua reflexão. Sinto muita falta dos blogs de antigamente, fico feliz que tenha esse espaço para quem gosta de ler e escrever. Um doce caminho para você. Beijos 💚